terça-feira, setembro 27, 2005

O Homem Maquinista

(Ao meu Pai)

Tu és quem conduz outros
Em máquinas de ferro que tremem
Em dias e noites que não acabam.
Tu és quem na viagem não descansa
Não vê a árvore que corre ao teu lado
Não sente o galopar dos cavalos
Em campos velozes e verdes.

Tu és quem por vezes se engana
E tropeça no caminho metálico
De linhas-férreas cinzentas e longínquas.
Tu és o desejado de viagens desejadas
E o amaldiçoado de levas desesperadas.

Dizem do teu olhar o longe e o perto
De terras possuídas e amadas
De cidades opressoras e renegadas.
Falam da vida que não te deixam
Das horas que querem e não desejam
Dos dias que esperam e não vivem.

Tu és o homem da máquina
Que absorve gente apressada e anónima
Que não sente o banco ou a poltrona
Mas sente a demora e o cansaço.
Tu és a máquina a abater e a esquecer
Se a noite se aproximar e ficar
Na vida dos que estão no teu ventre.

Quando a cidade acolhe o entardecer
E as luzes se acendem em muitas casas
És tu quem parte de mansinho sossegado.
És a máquina que se despede e abala
Ao encontro de novos dias.
Quando a cidade muda de lugar
És tu quem parte e carrega a carruagem
Repleta de olhos e rostos desconhecidos.

Mas há aqueles que não te conhecem
E te tratam por números e números
E apenas olham para o produto de ti.
Há os que só te falam e vêem
Quando precisam de lugares e poltronas
Numa carruagem almofadada e decorada.
Não sabem o sabor de sentinela
Atenta no caminho e no horário a cumprir.
Há aqueles que podem mandar.
Tu és o homem da máquina mandada.
Os outros nunca erram. Parece.
Na verdade não os viste ainda julgados
Sentados à espera de qualquer sentença.
Os outros dizem que erraste.
E tu erras não parcas vezes é certo.
Como os outros. Como todos. Como eu.

Porém a ti julgam-te em gabinetes
Onde os outros se nomeiam para novos cargos.
A ti condenam-te rápida e facilmente
Com a mesma velocidade com que os outros
Se abraçam e se escondem no seu poder.
A ti silenciam-te no esquecimento
Dos jornais e altifalantes que falam dos outros.
Tu és julgado. Condenado. Esquecido.
Os outros... Os outros...
Quem sabe?...


Lisboa, 1978

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