quinta-feira, julho 31, 2008

Quotidianos [III]

Todas as tardes era costume aparecerem ali para os lados do Largo da Igreja os que, dispensados das suas ocupações de anos e anos de labuta, acabavam por poder gozar os dias com mais calma e tranquilidade. Melhor ou pior reformados, ou aposentados, como também é costume dizer hoje, ali, naquele espaço colectivo, davam asas às suas lembranças feitas memórias de dias que a maior parte das vezes até estavam já esquecidos.

E nas mesas, ali colocadas por quem, se calhar, já preparava os seus próprios dias futuros, aventuravam-se em torneios que, à semelhança de outros mais antigos, lhes acalmavam e acariciavam os egos já ressequidos.

Também ele, vindo dos encontros e desencontros que os dias proporcionam cada vez mais ao comum dos mortais, ali estava, cartas na mão, a lembrar lanças e espadas passadas, e pronto para a refrega que o haveria de saciar. Mesmo que de vitórias apenas descobrisse e sentisse as asas do sonho.

quarta-feira, julho 30, 2008

Os meus olhares

Lisboa [Jardim/miradouro S. Pedro de Alcântara]

terça-feira, julho 29, 2008

Tempo de estar

Aqui
Onde me quedo e aguardo
Espero

Aqui
Onde me descobrem apenas eu
Espero

Aqui
Onde me buscam ainda
Espero

Aqui
Neste tempo e neste espaço
Apenas há lugar para ficar

Aqui
Nesta terra e neste banco
Apenas há lugar para aguardar

Aqui
Neste momento de quase silêncio
Apenas há vontade de estar

segunda-feira, julho 28, 2008

Quotidianos [II]

De desencontros não queria que se tornasse o tempo que tinha à sua frente. Até porque talvez já fosse tempo de transformar a nostálgica apatia com que acabava por mergulhar nos dias que corriam em animado querer e desejar.

No jardim, que acabava por deixar, acabava por ficar a sua própria apatia. Acabava por ficar o que há algum tempo o queria continuar a prender e a abafar.

No jardim que acabava por deixar, ficava igualmente a espera feita vazio, ausência. Ao não conseguir aguentar o momento de ânsia, de querer e não querer, a sua amiga apenas tinha proporcionado que descobrisse um novo tempo, o tempo de ousar, o tempo de arriscar outros desejos, outros destinos, outros horizontes.

Desceu com o vagar dos que conhecem o longe e o distante a rua estreita que o haveria de levar até ao pequeno café, onde, se não todos os dias, pelo menos quase todos, costumava sentar-se e pôr em dia a leitura dos jornais. Era um hábito ganho no tempo em que era útil, quase vital, que conhecesse o que se ia passando nesta aldeia global que acaba por ser a de todos nós. Hábitos de funcionalismos, quase sempre públicos.

Passou a porta, estranhamente larga para casa tão pequena, e viu-a. Na mesa onde se costumava sentar, alguém lhe acenava e convidava a estar. Entrou ainda mais devagar, como se o tempo da demora fosse afinal o tempo do desejo. E sentou-se. Com a calma e a tranquilidade dos que conhecem o sabor da espera repleta de sensações de amena alegria.

Afinal, pensou, há desencontros que mais não são que oportunidades de novos encontros. Se calhar, a vida até acabará por ser mesmo isso, uma estrada cheia de encontros e desencontros. Que temos de percorrer. Quer queiramos, quer não.

domingo, julho 27, 2008

“HAIKU” [XXVIII]

Boas-noites a florir,
Quando a pele duma mulher
Brilha em noite escura.

CHIYOJO (1703-1775)

sábado, julho 26, 2008

sexta-feira, julho 25, 2008

Quotidianos [I]

Era um dia como outro qualquer. Tinha acordado com os raios solares a despontarem ainda por entre o cinzento esbranquiçado das nuvens matinais. Como qualquer outro dia, este tinha espelhado no seu semblante a marca indelével do bem-estar e do bem sentir.

Ao sair de casa, encontrou-se, ainda que apenas por breves momentos, com um amigo de longa data. Na verdade, a vida só se pode desfrutar em plenitude se nos descobrirmos, não como seres isolados, abandonados a um qualquer acaso existencial, mas como membros agregados e afiliados de um grupo, de um corpo. De uma família, afinal. Seja ela qual for.

Demorou quase metade dessa manhã a chegar ao jardim onde alguém era suposto estar à sua espera. Mas a espera, por vezes, mais não é que momento de cansaços, de corpo e alma. E se a espera, de espera já desesperava, apenas acabou por se deixar ficar em ausência.

Por isso, quando olhou o vazio ajardinado do espaço da espera feita ausência, pressentiu a inevitabilidade do desencontro.

Não sem um sentimento de incómoda fatalidade, acabou por descobrir que, se calhar, a vida não é apenas feita de encontros e de achamentos, mas é talvez também impregnada de desencontros e de desalentos.

quinta-feira, julho 24, 2008

quarta-feira, julho 23, 2008

Cantiga de mal amado

Quando falas, parece que a tua palavra
Traz no seu seio aromas de “Azedas”
Bem ácidas

Quando te aproximas, parece que carregas
Nos teus alforges negros a marca
Da frustração

Quando olhas, parece que dos teus olhos
Apenas se vislumbra e distingue
A inquietação

Por mim, quando te sinto e retenho
Quando te desejo e te quero
Apenas espero

segunda-feira, julho 21, 2008

Divagações [4]

Deixo-me cair abandonado
No sofá que sempre me acolheu
E acabo por respirar
A lenta e calma chegada
Da repousante sonolência

Doem-me os pés
Ainda quentes do caminho
E as pernas levantadas
Apressam o sangue inquieto
Revigorando o corpo sedento

À minha volta o silêncio revela-se
E o sonho descobre-se realidade
Já não sou eu que respiro
Nem os meus pés que se ouvem
Em mim, um outro manifesta-se

domingo, julho 20, 2008

Leituras [Que boas surpresas] de fim-de-semana

Amo a vida

A Vida foi-me negando
Coisas grandes, grandes lemas
E nem sempre fui feliz
Tanto “Inverno” a passar!
Mas o amor com que fiz
Mesmo as coisas pequenas
Deu-me forças para amar.

Maria Albertina Dinis Jorge
Rumos e Rimas
[Poemas, 2007]

sábado, julho 19, 2008

Dixit

«(…) A opinião sem conhecimento é frágil, e só resiste se não for escrutinada, como acontece sobretudo nas sociedades pouco desenvolvidas. Como é evidente, quando se descobre o embuste, vai-se a credibilidade e instala-se a suspeita. Ah, e nos países civilizados e nas empresas idóneas, perde-se também o "tacho". É o contrato!»
Manuel Maria Carrilho
O CONTRATO
Diário de Notícias, 19.07.2008

quinta-feira, julho 17, 2008

quarta-feira, julho 16, 2008

A minha vizinha Martinha

A minha vizinha Martinha já há muito tempo que andava de olho nele. Atrás das cortinas das janelas, suficientemente ralas para que a visão fosse pelo menos eficaz, ela mirava e remirava o espaço onde ele evoluía. Matreiro e sorrateiro.

É bom de dizer que a minha vizinha Martinha já só tinha de seu todo o tempo do mundo, do talvez já parco que lhe restava. E a janela, com as cortinas estrategicamente ralas, eram, afinal, uma boa parte do seu mundo. Ali se deixava ficar a olhar, a olhar. O quê, não lhe importava. Apenas olhar.

A minha vizinha Martinha, até ao momento, não tinha sido senhora dos seus doces quando os arrefecia ali no parapeito da janela, que era a sua banca para o mundo. De cada vez que lá colocava um qualquer dos seus mimos, quando se distraía, mais parecia que ali tinha colocado um par de asas que, em três tempos, se volatizavam sem rasto.

A minha vizinha Martinha estava certa de que o que se passava era tão-somente uma invasão do “amigo” que, sem vergonha, pudor ou remorso algum, ali a desafiava e quase sempre ganhava. Às tantas, a minha vizinha começava a pensar que a relação com aquele “amigo” já se estava a tornar num caso sério de gostar e bem-querer.

Um dia, daqueles que nem sequer lembramos, a minha vizinha Martinha resolveu pôr um ponto final nesta relação fenestral. E se melhor o pensou, melhor o realizou.

Nesse dia, nesse dia banal como qualquer outro, quando o “amigo”, matreiro e sorrateiro avançou para junto da janela, a das cortinas ralas, reparou que de ralas já não se vestia. Estava tão simplesmente aberta, deixando que de lá de dentro um forte aroma bem adocicado se sentisse em todo o seu esplendor.

Sorrateiro, com respeito pela novidade, saltou para o parapeito e, ó deuses, a visão era soberba. Claro, não poderia resistir. Com um salto bem felino, chegou à mesa onde o prazer se oferecia e não se fez rogado. Foi como que aceitar a ligação afectiva que lhe estava a ser oferecida.

E desde esse dia, um daqueles dias tão iguais a outros dias, a minha vizinha Martinha passou a não viver apenas com os seus pensamentos, apenas com a sua janela feita contacto com o lá fora, apenas com os seus solilóquios. Desde esse dia a minha vizinha passou a ter alguém com quem conversar. Muito embora esse alguém nem fosse capaz de dizer uma palavra sequer. Nem isso era importante. Mas lá que ela conversava, lá isso conversava. Cá para mim, até parecia que andava um pouco mais feliz.

segunda-feira, julho 14, 2008

Os meus olhares


Se calhar, tem toda a razão …

«(…) Porque a mim pouco me interessa quem ganha o debate. Interessa-me entender quem tem razão, quem tem melhores ideias para o país. (…)»
Henrique Monteiro
Os debates perdidos entre Sócrates e a Oposição
Expresso, 14.07.2008

domingo, julho 13, 2008

Parabéns David! [Há 28 anos escrevi isto...]

Quid Venit

Eras, ainda, uma incógnita,
Uma incerteza, uma dúvida, talvez.
Eras do ser, ainda a primeira vez,
Do oiro, da prata, por enquanto, a pepita.

Eras o alfa de algo a iniciar,
Memória do ómega que nos espera.
Eras o centro, o âmago da cratera,
O caminho, o espaço a viajar.

Eras também o tempo já feito
De uma história por contar.
Eras, na avenida, o rumo estreito.

Hoje, és a certeza a realizar,
Nova terra de um Amor perfeito.
És o acaso que Ele quis nos ofertar.

sábado, julho 12, 2008

Pensamentos subversivos (LXXII)

Que pena, tudo isto.
Falamos, falamos, indignamo-nos, mas depois, bem, depois, lá vamos todos nós em alegre procissão disputar umas ‘medalhitas’ para satisfação do nosso orgulhosamente pequeno ego.

Os meus olhares


sexta-feira, julho 11, 2008

O meu pai fez ontem anos

Há já dois anos que os oitenta passaram. Por isso, ontem, o ar que se respirou foi o sopro do querer bem, sem mais que apenas desejar estar juntos.

Ali, naquela mesa, cheia de saborosa amizade e licorosa harmonia, celebrava-se, não o tempo já passado, gasto pela poeira dos anos, mas o tempo que se vive, mesmo sabendo que da vida quase nada se sabe, a não ser que vale a pena saboreá-la.

Ali, naquela mesa, afinal tão grande de calma e tranquila ternura, apenas se sabia que era bom estar. Era bom olhar em redor e descobrir o sorriso que só os deuses sabem oferecer.

Há já dois anos que os oitenta passaram. Ainda bem. Porque, hoje, só podemos dizer que valeu a pena o caminho percorrido. E isso não é o menos importante.

quinta-feira, julho 10, 2008

Os meus olhares


Recomeços

Amanhã vamos fazer tudo outra vez.
De repente é como se descobrisse
Que a cada dia que passa
Um novo dia inexoravelmente se descobre.
Encontramos tempo em falta
No tempo que nos sobra sem parar.

Amanhã vamos fazer tudo outra vez.
E porque regressamos quase sempre
Ao passo primeiro do caminho percorrido
Reinventamos a cada momento
O chegar e o partir
O partir e o chegar.

quarta-feira, julho 09, 2008

Bem dito

«(…) Não interessa saber de que lado está a razão: a forma como tudo se passou feriu de morte a legitimidade do órgão. E não vale a pena carpir lágrimas de crocodilo. Para isso contribuíram clubes, associações desportivas, dirigentes, Federação, Liga e os sucessivos governos da República, já que o relevante interesse público da prática desportiva assim o exigia. (…)»
Rui Rangel
Justiça desportiva

Correio da Manhã, 09.07.2008

segunda-feira, julho 07, 2008

Pensamentos subversivos (LXXI)

Ele há coisas que já lá não vão com ‘apelos à correcção’.
Cá para mim, cada vez mais me parece que enquanto toda esta gente por lá andar – e sublinho toda – não se vai conseguir chegar a lado nenhum. Quer-me cá parecer cada vez mais que só quando se mudar – não o quê, mas quem – é que talvez se volte a acreditar na beleza daquilo tudo.

domingo, julho 06, 2008

sábado, julho 05, 2008

sexta-feira, julho 04, 2008

“HAIKU” [XXVII]

Apontando os dedos,
Crianças fitam a lua
Em bicos de pés.

KAWAI CHIGETZU (1634?-1718)

quarta-feira, julho 02, 2008

Momentos íntimos

Um passo
Um passo apenas
E toda uma caminhada
Se torna possível

terça-feira, julho 01, 2008