segunda-feira, julho 24, 2006

Epistolário

Caríssima A.:

Há momentos nas nossas vidas que mais não são que desertos de palavras. Tanta coisa gostaríamos de dizer e tanto espaço em branco permanece entre nós. Tanto ruído à nossa volta e tanto silêncio a brotar de nós próprios.

Há momentos nas nossas vidas que mais parecem, de facto, áridas áreas de palavras. Mas não desertos de sentimentos. Mas não áridas áreas de emoções. Mas não ausência de sensações.

Hoje, gostaria de te dizer muitas coisas. Ou, pelo menos, algumas coisas. Mas o que sinto, ao olhar-te, hoje, é apenas a ausência que se entranha no ar que nos rodeia. Apesar do ruído que nos circunda. O que nos envolve agora é tão-somente o silêncio que sentimos perene e inatingível. Afinal, o silêncio da ausência.

Hoje, gostaria de te dizer algumas coisas, pelo menos. Algumas coisas que não te toldassem os olhos que teimas em manter abertos, mesmo se enevoados. Algumas coisas que não te cerrassem os lábios, mesmo que trémulos.

Hoje, apenas te posso dizer que o J., o teu pai, apenas aqui está porque o sentimos bem perto de nós. Que vai continuar a animar-nos, porque talvez escutemos ainda a sua voz dentro do nosso coração.

No meio de tudo isto, creio bem, caríssima A., que é nosso dever, agora, deixá-lo subir a montanha lá à frente, enquanto nós ainda vamos continuar a percorrer a estrada no vale que é a nossa vida.

É que, mesmo já no longe da montanha, ainda vamos ser capazes de o avistar e compreender que nos acena com amor. Afinal, o mesmo amor que te faz sentir no coração um ardor reconfortante.

Do teu padrinho, que te quer bem
No vigésimo primeiro dia, do sétimo mês, do ano da graça de dois mil e seis

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