O meu amigo Zé foi de férias. Depois de um ano de trabalho, por vezes até à exaustão, o meu amigo foi descansar. Aproveitou a oportunidade e lá partiu, com a família. Para África, para um safari no Quénia. Coisa normal no meu amigo Zé. Os seus rendimentos permitem-lhe estes sonhos realizados.
Tem sorte, o meu amigo Zé. Por mim, privilegiado funcionário público, que aqui anda ao serviço do Estado (esse papão), há coisa de 34 anos, dos 52 que levo de existência, cá ficarei, numa das praias da minha zona, a gozar os dias de férias que me cabem. É que o que entra cá em casa vai dando, mas não para esse tudo.
Tem sorte o meu amigo Zé. E, se calhar, até lhe invejo esses dias africanos, a correr atrás de animais que conheço, apenas de zoo. Mas só lhe invejo isso.
Tem sorte o meu amigo Zé. Mas tem todo o direito a ter e a exercer essa sorte. Nada se pode dizer sobre isso. É um cidadão, como qualquer um de nós, livre de viver a vida como o entender. Desde que em conformidade com as normas e as regras que a sociedade impõe. É, aliás, o que se exige a qualquer cidadão.
Mas não. Não foi o meu amigo Zé quem foi de férias. Soubemo-lo na Comunicação Social. Simples e claro. Com direito a reportagem e tudo.
O Primeiro-ministro, José Sócrates, foi de férias, com a família, para uns dias de sossego, em terras do Quénia. Vai participar num Safari, dizem. Vai, aliás exercer um direito que, efectivamente e rigorosamente, é seu. Nada a dizer sobre isso, pois.
Só que, e é aqui que quero chegar, há qualquer coisa que me parece importante referir. Há qualquer coisa que me faz uma certa confusão.
Para já, devo dizer que nada há que se aponte a José Sócrates no que se refere a questões de legalidade dos seus actos. O cidadão José Sócrates pode perfeitamente ir passar as suas férias onde muito bem lhe apeteça. E ninguém tem rigorosamente nada a ver com isso. Questão arrumada, assim.
Mas o cidadão José Sócrates é o Primeiro-ministro de Portugal. É o Primeiro-ministro de um Governo que está a impor, com toda a legitimidade democrática, diga-se, uma política de contenção, de rigor, de poupança, de redução da despesa pública (com tudo o que isso implica, desde os aumentos de impostos, à redução do poder de compra dos cidadãos, por exemplo). Nos tempos que correm, de facto, ou tomamos medidas capazes de nos trazerem melhor futuro, ou mais negro ele será. E com isto, não estou, nem a justificar, nem a criticar as medidas encetadas pelo Governo. Outras oportunidades virão, para isso.
Por isso, eu, se fosse Primeiro-ministro de um Governo que estivesse a pedir aos seus cidadãos para apertarem – e bem – o cinto, porque os tempos são de vacas magras (quase esqueléticas), não sairia de cá. Tirava uns dias de férias, porque o descanso é bem necessário a quem trabalha, mas não sairia de cá. Existem por cá muitos locais apropriados. Não por uma questão de legalismos. Não por uma questão de miserabilismos. Mas por uma questão de convicção. De coerência. De ética, se calhar. Até para dar o exemplo.
Era o que eu gostaria de ver o meu camarada e Primeiro-ministro, José Sócrates, fazer.
sexta-feira, agosto 05, 2005
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