quarta-feira, dezembro 10, 2008

Quotidianos [VII]

Ali, naquele espaço onde o Pessoa nos observa com a serenidade do tempo e do bronze, olhou-me a numa voz tranquila e simples perguntou-me se gostava de poesia.

Se gostava de poesia…
Tão simples como isso.

E, com esta simplicidade quase espiritual deixou-me ali pregado ao chão, sem saber lá muito bem como reagir.

Se gostava de poesia…

Claro que não podia dizer que não. Seria uma violência à minha própria maneira de ser. Como posso eu dizer uma coisa que me está entranhada no sangue e me absorve, por vezes até ao desespero de temer perder as palavras?

Se gostava de poesia…

Ao dizer-lhe que sim, mostrou-me uma folha onde palavras bailavam em estrofes construídas, quase de certeza, com o calor de quem quer comunicar. Colocou-ma nas mãos com a gratuidade de quem oferece o que tem.

Se gostava de poesia…

E, por acaso, ou talvez não, até gostei do que estava a ler. Eram palavras simples, de gente simples. Eram palavras de gente que apenas queria ser escutada, para poder dizer que apenas queria poder viver. E que, por acaso, ou talvez não, até não sabia como poder viver.

Se gostava de poesia…

A verdade é que gosto. Mas a verdade é também que não gosto mesmo nada de que existam à nossa volta, no meio de nós, alguns, tão gente como nós, que precisem de vir perguntar a quem passa se gostava de poesia.

Esta é a poesia que não descobrimos, que não lemos. Esta é a poesia que não revelamos, que escondemos sob o nosso próprio chão. Esta é a poesia que não cantamos nem declamamos nos nossos saraus, às vezes até de solidariedade.

Mas esta é, estou certo, a poesia que devia tornar-se a nossa poesia.

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