sexta-feira, setembro 30, 2005

Dom Figurão

Muito espera Dom Figurão
Do pouco que resta à plebe.

Fala alto com palavras sonoras
Mas cala o olhar a quem o descobre.

Assume a imponência com bravura
Mas foge quando o combate é iminente.

Muito alcança Dom Figurão
Com o silêncio da plebe adormecida.

Usa o poder seguro da sua grandeza
E despreza a força dos fracos e indefesos.

Só tem uma palavra. A sua.
Os outros apenas podem ouvir. E anuir.

Muito pode Dom Figurão
Com a fraqueza da plebe submissa.

Sonha reinos libertos e vivos
Que produzam consumidores paralíticos.

Desce à plebe com gestos esquivos
Árido de sentimentos e afectos.

Muito quer Dom Figurão
Tanto, tanto... mais não.



(Teorema, Dezembro 2003)

quinta-feira, setembro 29, 2005

Fábulas Políticas

O Presidente da República, é suposto ser um órgão independente, que trata todos os cidadãos da República com igualdade, equidade e imparcialidade. É suposto, ainda, como dirigente máximo do País, possuir as virtudes necessárias a quem ocupa tal cargo: clareza, equilíbrio, ponderação, contenção, atenção aos acontecimentos, decisão, bom-senso. Bom-senso, sobretudo.

O que o cidadão comum espera do Presidente da República é que olhe para cada um deles da mesma maneira. E os trate de igual modo. O que o cidadão comum espera é que o “seu” Presidente não os encare como cidadãos de primeira e cidadãos de segunda. Afinal, como um pai, que olhe os filhos todos da mesma maneira. E não que considere uns filhos e outros enteados.

Ora, o que o Presidente da República fez ao receber os representantes sindicais ligados à justiça - já com formas de luta marcadas – (e não sei se foram todos), ou melhor dizendo, ligados à Magistratura, foi, na minha opinião, um acto de falta de bom-senso. No mínimo.

O Presidente da República tratou uma pequena parcela de portugueses como, creio, nunca tratou, ao longo dos seus mandatos, qualquer outra. E, sendo assim, o Presidente de todos os portugueses não praticou, neste caso, a igualdade, a equidade e a imparcialidade, valores que fazem parte do seu múnus público.

Ora, digam-me lá que outras situações como esta foram protagonizadas pelo Presidente da República? Por exemplo: alguma vez recebeu representantes sindicais da metalurgia, aquando da realização das suas jornadas de luta? Ou os representantes dos sectores dos serviços. Ou os sindicatos ligados aos sectores da administração pública? Da saúde? Da educação? Eu sei lá…

Cá por mim, avanço já com uma sugestão: que o Presidente da República comece, de imediato, a receber os representantes dos variados sectores da sociedade portuguesa. A começar, para já, com os representantes dos trabalhadores (a dos patronais, enfim, têm vindo a ser recebidos normalmente…).

Por mim, como ajuda humilde, eixo aqui indicados alguns parceiros sociais, por onde o Presidente poderá começar a fazer as marcações de reuniões (a ordem é perfeitamente e naturalmente arbitrária):

  • CGTP
  • UGT
  • Sindicato do Serviço Doméstico
  • SINTAP
  • Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública
  • STAL
  • FESAP
  • Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado
  • Sindicato dos Seguranças da Polícia Judiciária
  • Sindicato dos Trabalhadores da Construção, Madeiras, Mármores e Cortiças do Sul
  • APP/PSP - Associação dos Profissionais de Polícia
E há mais… Basta consultar uma qualquer lista telefónica

Já agora, estou em crer que ainda se conseguiria transferir a data das próximas eleições presidenciais para mais tarde – lá para os finais do próximo ano – para que haja tempo para o actual Presidente possa, assim, receber a totalidade dos parceiros sociais.

(Enfim,,, Talvez nem valha a pena levarem-me a sério!)


quarta-feira, setembro 28, 2005

Batem à porta

Batem à porta.
Na sala onde me liberto
Absorto e indiferente
Apenas o fumo do cigarro
Que repousa na minha mão
Me liga à vida e ao presente.
Nada mais do que tempo
Que de tempo se libertou.

Batem à porta.
Cá dentro, onde me confundo
Com o fumo que dos meus dedos
Abandonados evolui em espirais
Sinto-me tranquilo
Como tranquilo é o ar que respiro.
Cá dentro, eu comigo próprio.
Sem saber ainda que comigo
Apenas o fumo me separa de mim.

Lá fora, não sei. Ainda.
Só sei que batem à porta.

Batem à porta.
Ouvi nitidamente as pancadas.
Diz o vate que foi ver.
Eu fiquei cá dentro. Ainda.

terça-feira, setembro 27, 2005

O Homem Maquinista

(Ao meu Pai)

Tu és quem conduz outros
Em máquinas de ferro que tremem
Em dias e noites que não acabam.
Tu és quem na viagem não descansa
Não vê a árvore que corre ao teu lado
Não sente o galopar dos cavalos
Em campos velozes e verdes.

Tu és quem por vezes se engana
E tropeça no caminho metálico
De linhas-férreas cinzentas e longínquas.
Tu és o desejado de viagens desejadas
E o amaldiçoado de levas desesperadas.

Dizem do teu olhar o longe e o perto
De terras possuídas e amadas
De cidades opressoras e renegadas.
Falam da vida que não te deixam
Das horas que querem e não desejam
Dos dias que esperam e não vivem.

Tu és o homem da máquina
Que absorve gente apressada e anónima
Que não sente o banco ou a poltrona
Mas sente a demora e o cansaço.
Tu és a máquina a abater e a esquecer
Se a noite se aproximar e ficar
Na vida dos que estão no teu ventre.

Quando a cidade acolhe o entardecer
E as luzes se acendem em muitas casas
És tu quem parte de mansinho sossegado.
És a máquina que se despede e abala
Ao encontro de novos dias.
Quando a cidade muda de lugar
És tu quem parte e carrega a carruagem
Repleta de olhos e rostos desconhecidos.

Mas há aqueles que não te conhecem
E te tratam por números e números
E apenas olham para o produto de ti.
Há os que só te falam e vêem
Quando precisam de lugares e poltronas
Numa carruagem almofadada e decorada.
Não sabem o sabor de sentinela
Atenta no caminho e no horário a cumprir.
Há aqueles que podem mandar.
Tu és o homem da máquina mandada.
Os outros nunca erram. Parece.
Na verdade não os viste ainda julgados
Sentados à espera de qualquer sentença.
Os outros dizem que erraste.
E tu erras não parcas vezes é certo.
Como os outros. Como todos. Como eu.

Porém a ti julgam-te em gabinetes
Onde os outros se nomeiam para novos cargos.
A ti condenam-te rápida e facilmente
Com a mesma velocidade com que os outros
Se abraçam e se escondem no seu poder.
A ti silenciam-te no esquecimento
Dos jornais e altifalantes que falam dos outros.
Tu és julgado. Condenado. Esquecido.
Os outros... Os outros...
Quem sabe?...


Lisboa, 1978

segunda-feira, setembro 26, 2005

Manuel Alegre

(Escrito a quente, na noite de Sábado, 24.09.05)
O que faz correr Manuel Alegre? Quando no Telejornal da RTP1 o ouvi anunciar, hoje, a sua candidatura a Presidente da República, fiquei triste. E, digamos com franqueza, fiquei quase desiludido. Porque o não esperava. Porque, afinal, me enganei.

Como já aqui afirmei:
Tenho por Manuel Alegre muito respeito. E admiração. Como homem, como poeta (maior), como político.
Por isso, saudei a disponibilidade e a vontade manifestada por Manuel Alegre quando se candidatou à liderança do Partido.
Por isso, saudei a sua disponibilidade e a sua vontade em se candidatar às próximas eleições presidenciais, quando se verificava o vazio de candidaturas existente.
Foi, na minha opinião, então, um homem de coragem, com o sentido do dever, com a vontade de se colocar ao serviço dos seus ideais.

Só que, há alturas na vida que a vida nos surpreende. E, de um momento para o outro, no seu Partido de sempre, a escolha presidencial recaiu noutra figura igualmente grande da nossa história recente, Mário Soares, afinal, seu amigo de longa data.

Por isso, não consigo perceber as razões que levaram o Poeta a tomar esta decisão. Nas próximas presidenciais, quer queiramos, ou não, a grande decisão que se irá colocar aos portugueses é a opção entre as candidaturas de Mário Soares ou de Cavaco Silva. Tão simples quanto isto. Sem mais.

Por isso, entendia eu que Manuel Alegre, depois de um acto generoso de disponibilização política, teria compreendido o que se estava a passar e daí tiraria as respectivas ilações. Teria entendido, sobretudo, que, agora, o tempo era já outro. Teria percebido o que, agora, estava em jogo.

Por isso, de facto, não consigo perceber o que faz correr Manuel Alegre. Ou o que querem os que o terão pressionado. Serão os mesmos que não apareceram quando, então, se tinha disponibilizado para se candidatar?

E, já agora, apenas duas notas:
  • Manuel Alegre é candidato para ser eleito Presidente da República, ou apenas lá vai para “ajudar a derrotar Cavaco”?
  • Tendo o PS (Partido onde está filiado) optado por apoiar oficialmente outra candidatura, não deveria Manuel Alegre, antes de a assumir publicamente, desvincular-se da sua filiação partidária?

Ou será, afinal, que Manuel Alegre estará tão-somente a corporizar uma ideia que está a perturbar uma parte da esquerda portuguesa. Aqueles que se deixaram convencer (por sondagens ou outros meios...) que Cavaco terá todas as hipóteses de ganhar as presidenciais logo na primeira volta, se não houver mais candidatos à esquerda. A exemplo do que se passou há uns anos com Lurdes Pintassilgo e Salgado Zenha. Só que me parece que, nem Alegre é Pintassilgo, nem Cavaco é Freitas, nem o próprio Soares é o mesmo Soares.

domingo, setembro 25, 2005

Balada do Desalento

Viva, velho companheiro
De estradas percorridas
E metas alcançadas.
Como o tempo te marcou
E te desalentou!

Já não têm alvoradas
Esses teus olhos cansados
Nem brotam cascatas
Dos teus lábios gretados.

Do teu ânimo contagiante
Consegui a ironia
Do desassossego que bebeste
E precipitei-me
Nos mares do absurdo.

Já não gritam as tuas mãos
De cantares esquecidos
E ficam-se os passos
Perdidos no nevoeiro
De uma história mitigada.

Absorvi-te o desencanto
Feito álcool que anestesia
E mergulhei
No lago do abandono
Onde nos seduzem
Sereias belas como a manhã.

Viva, velho companheiro!
Resta-nos o ocaso de nós próprios.
De estradas percorridas
E metas alcançadas.
Como o tempo te marcou
E te desalentou!

Já não têm alvoradas
Esses teus olhos cansados
Nem brotam cascatas
Dos teus lábios gretados.

Do teu ânimo contagiante
Consegui a ironia
Do desassossego que bebeste
E precipitei-me
Nos mares do absurdo.

Já não gritam as tuas mãos
De cantares esquecidos
E ficam-se os passos
Perdidos no nevoeiro
De uma história mitigada.

Absorvi-te o desencanto
Feito álcool que anestesia
E mergulhei
No lago do abandono
Onde nos seduzem
Sereias belas como a manhã.

Viva, velho companheiro!
Resta-nos o ocaso de nós próprios.


(Teorema, Dezembro 2003)

sexta-feira, setembro 23, 2005

Estados de espírito

Porque é que quase sempre o mais importante não é o que é mais importante. Porque é que quase sempre é o acessório, o detalhe inútil, o secundário bem secundário, o que comanda a vida?

Em tudo o que se tem passado nestes últimos tempos, o que está “no ar”, o que se discute, o que se analisa, o que é “notícia”, o que serve de mote à “inteligenzia” bem pensante à nossa volta, não tem sido o que de mais importante se pode considerar ser a nossa existência, quer pessoal, quer colectiva.

Andamos todos à volta do "alguidar" da vida. Andamos todos nas bordas do declive, cheios de tonturas de vertigens (as mais das vezes infundadas). E não queremos, não somos capazes de descer ao fundo as coisas, ao âmago das questões, afinal, ao importante do que é preciso encarar.

Andamos todos, afinal, quer o queiramos ou não entender, a escolher o mais fácil. Sobretudo, o que menos nos incomode a nossa lassidão, a nossa modorra, pessoal e colectiva.

Por isso, muitas vezes, nos afligimos, nos incomodamos quando o inesperado surge. Por isso, muitas vezes nos chocamos – hipocrisia das hipocrisias!

Quer-me cá parecer que, afinal e entretanto, cá vamos na mesma “cantando e rindo…”

quinta-feira, setembro 22, 2005

Que bom seria

Oiço o apito do comboio lá longe
Na estação pequena de Chelas.
É bom partir em viagens de pausa
E parar na vida abafada e apressada
Que a cidade nos obriga a sorver.

Que bom seria partirmos sem rumo
E descansarmos nos quilómetros a percorrer!

Partiríamos dois. Fazendo quatro.
Casal fecundo de vida a crescer.

E, quais vagabundos, ensinaríamos
Ao David e ao Samuel, já sôfregos,
O segredo escondido na natureza.

Que bom seria...

(Lisboa, 22.09.1983)

Bem Vindo OUTONO

José Malhoa (1855 - 1933)
"Outono"
1919, óleo sobre madeira, 46 x 38 cm, Museu do Chiado (Lisboa)

quarta-feira, setembro 21, 2005

E depois, como vai ser?

Alguém me dizia esta semana que os casos que estão a animar estas eleições autárquicas – Oeiras, Felgueiras, Gondomar, Amarante, por exemplo – tem que ser visto e analisado com calma e com o cuidado necessário. E sob uma perspectiva jurídico-legal. O que significará, talvez, que o alarido que se tem ouvido não terá, quiçá, razão de ser. Ou tenha sido excessivo demais.

Senão vejamos, continuava o mesmo alguém: nos casos em questão, o que importa verificar é se os respectivos candidatos, por motivos de justiça, foram já condenados a alguma pena. Ora, a realidade é que apenas e tão-somente serão arguidos, ou estarão indiciados nalgumas investigações a decorrer no Ministério Público. Sendo assim, o facto de poderem ser arguidos ou indiciados nalgum caso, não os inibe nos seus direitos cívicos. De poderem, então, candidatarem-se aos órgãos públicos.

Esta questão incomodou-me, sejamos francos. Muito embora a argumentação esteja eventualmente coerente com a letra da Lei – ou não viesse ela de alguém com a formação adequada em Direito – ficou-me na boca um sabor a decepção. A desilusão. Não por ouvir o que ouvi, mas por perceber que esta é a visão de uma parte significativa da nossa sociedade. Que, sem subterfúgios já, se deixou acomodar no adormecer da nossa consciência crítica.

Devo dizer, desde já, que do Direito apenas tenho o conhecimento do comum dos mortais. E que de interpretações e comentários, prefiro muito mais os literários. São mais sadios, convenhamos.

Embora, pois, leigo nesta questão do Direito, para sermos claros, é bom assentarmos, pelo menos, num ponto: é evidente que até ao acto do julgamento, todo e qualquer cidadão tem o direito de ser considerado inocente. É-o naturalmente. Por lei e de facto. Limpo e claro, portanto. Sem dúvida alguma, parece. (E se disse alguma barbaridade, que mo relevem em função da minha ignorância.)

Só que, na minha modesta opinião, o que encarna esta situação, deixou de pertencer apenas ao foro do Direito, para entrar também (e sobretudo) no foro da ética. Da ética política. (Bom, sei bem que isto poderá não ser para já uma das coisas do “politicamente correcto”, mas que querem? É teimosia e pachorra minha, se calhar!)

Assim, para mim, um cidadão sobre o qual recaem suspeitas fundadas (a acreditar nos Procuradores e Juízes da República), não pode de ânimo leve tomar certas decisões. Não pode assumir que nada se está a passar. E, neste caso, deveria abster-se de concorrer a cargos públicos. Porque são cargos que tem a ver com o colectivo de todos nós. Não pode, ou não deveria poder, aceitar participar numa eleição pública, tendo a recair sobre si a suspeição. Deveria, por isso, primeiramente assumir o completo esclarecimento do que sobre si recaiu. Por uma questão de ética. Por uma questão de respeito. Respeito por todos. Respeito, sobretudo, por si próprio.

E, já agora, gostaria de deixar aqui uma questão curiosa, dentro das probabilidades (mais que possíveis) que poderão surgir no dia 9 de Outubro:

  • E se, afinal, em todas ou em algumas - Oeiras, Gondomar, Felgueiras ou Amarante – o resultado das eleições for a vitória de um destes candidatos: Isaltino Morais, Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras ou Avelino Ferreira Torres?
  • Qual vai ser o discurso oficial da sociedade portuguesa?
  • O que irão dizer algumas sumidades da nossa praça?

Cá estaremos para ver, com toda a certeza. E ficaremos calados mais uma vez.

Uma coisa tenho como segura: não voltarei a este tema. Chega, pois. Tudo está já dito. Até porque, se calhar depois de 9 de Outubro, já não vai valer a pena…

Ah! Em registo de rodapé: Segundo ouvi na RTP, Fátima Felgueiras foi hoje detida ao chegar a Portugal. É capaz de seguir escoltada até Felgueiras para se sujeitar ao escrutínio de 9/10.

terça-feira, setembro 20, 2005

Simon Wiesenthal

“Simon Wiesenthal, o célebre "caçador de nazis" austríaco, morreu hoje, aos 96 anos de idade, em Viena, anunciou a organização não-governamental com o seu nome, num comunicado divulgado na Internet. (…)
Simon Wiesenthal era a consciência do Holocausto", afirmou o Rabi Marvin Hier, fundador da organização Wiesenthal.”
Público, 20 de Setembro de 2005

Depois de Auschwitz, não há teologia:
Das chaminés do Vaticano levanta-se fumo branco –
sinal que os cardeais escolheram um Papa.
Dos crematórios de Auschwitz, levanta-se fumo negro –
sinal que o conclave dos Deuses não escolheu ainda
o seu povo.
Depois de Auschwitz, não há teologia:
os prisioneiros do extermínio têm nos braços
os números de telefone de Deus,
números que não respondem
e que se desligam, um a um.
Depois de Auschwitz, uma nova teologia:
os judeus que morreram no Shoá
são agora semelhantes ao seu Deus,
que não tem imagem ou semelhança e não tem corpo.
Eles não têm imagem ou semelhança e não têm corpo.

Yehuda Amichai (1924-2000), poeta israelita

segunda-feira, setembro 19, 2005

O Jardim (V)

Duras secas descarnadas
As pedras.

Também existem lá
No meu jardim.

Por vezes fazem-me tropeçar
E aleijam-me.

Outras vezes afago-as
E saboreio-lhes as formas.

Algumas quiseram ser úteis
E disposeram-se em filas
Delimitando espaços
E rasgando caminhos.
Outras indolentes e cómodas
Amontoaram-se à entrada
Como que tentando opôr-se
À cancela que se abre.

Um dia peguei numa
E lancei-a ao vento.
Nunca mais a vi.

Mas são as pedras
Do meu jardim
Que só eu consigo ver.

sábado, setembro 17, 2005

O Baú da memória (Coisas antigas)

Luiza Caetano, “Concílio das Gaivotas”


Samuel

Samuel olhava o mar e agitava-se do vento que o abanava e desequilibrava. E ria-se no seu grasnar desengonçado. Era bom o vento na sua cara. Trazia-lhe o cheiro que ele adorava.

Samuel levantou um pé queimado pelo Sol e coçou-o. Sentiu um alívio que o fez espreguiçar-se de prazer.

Samuel olhou os companheiros que se abriam ao encontro da suavidade da tarde e sorriu com alegria pela fraternidade que descobriam entre si. Era bela esta tarde de Inverno, tão seca e solarenga.

E neste devaneio, Samuel abriu as asas e voou ao encontro das outras gaivotas que brincavam ruidosamente.

quinta-feira, setembro 15, 2005

Leituras obrigatórias

O PAPALAGUI
Discursos de Tuiavii,
Chefe de Tribo de Tiavea nos Mares do Sul

Tradução de Luiza Neto Jorge
Ilustrações de Jos St Swarte
Edições Antígona, 10ª Edição, Lisboa 1988





Relatos que Tuiavi, índio de uma tribo da Polinésia faz do Papalagui, o homem branco, durante uma visita pelo velho continente europeu, no século XVII.

Estranho ler um texto sobre a nossa sociedade do princípio do século passado. Mas não há dúvidas que se poderia afirmar que, em grande parte, se estava a falar dos nossos dias.
Veja-se este mimo: "O Papalagui leva, pois, toda a vida a correr até perder o fôlego, e cada vez mais se esquece do que é andar, passear, caminhar alegremente para um fim que virá ao nosso encontro sem que o tenhamos procurado." (Pg. 49, 2º §)

É, pois, um livro com piada. Até pelas coisas bem sérias que lá estão.

quarta-feira, setembro 14, 2005

Mais um ano nos anos da vida

Hoje acordei com uma sensação diferente. Reparei que tinha mais um ano na minha caminhada na aventura da vida. Mais um ano nas andanças e desandanças nas estradas da descoberta das coisas. Do que me rodeia. Dos outros, que por mim vão passando. De mim próprio, afinal e tão simplesmente.

E dobrar o cabo de mais um ano é sempre oportunidade para olhar para a poeira do caminho que passou e que lá continua a olhar-nos, as mais das vezes, com a serenidade do tempo.

Mas é também – e sobretudo – oportunidade especial para olhar o horizonte, o distante, o quase fundo do caminho, a montanha lá à frente, que nos precede e espera, as mais das vezes, com a paciência do tempo.

Por mim, hoje, que me sinto um pouquinho mais pesado de tempo – de outros pesos não falo, e pronto! – olho para a estrada calcorreada e sinto a benevolência da poeira a descer sobre mim. E ficam-me, na pele e na carne, as sensações dos que comigo partilharam o pó do caminho. Da família que me recebeu e amparou, ao sabor do tempo, ao encontro com a vida. Dos amigos que me foram acompanhando nas peripécias do caminho. Enfim, dos que gostei, amei, respeitei. Mas também dos outros, os que, algumas vezes, me abanaram e abalaram, me feriram e exasperaram.

Por mim, hoje, olho o distante, o quase fundo do caminho, a montanha lá à frente, e descubro-me, afinal e simplesmente, um afortunado da vida. Não pelo que possuo. Não pelo que tenho. Mas tão-somente pelos que aceitam que os possa acompanhar no caminho que nos leva a todos ao encontro da montanha lá à frente. Apesar de tudo. Apesar de mim próprio.

Por isso, por tudo isso, tem valido a pena.

terça-feira, setembro 13, 2005

Quadras II

Na minha terra descubro
O rosto dos que respiram
E dos que sentem que a vida
É dos que esperam e tentam.

Não me interessam os que podem
Os que mandam e que falam
Não me seduzem as palavras
Dos que riem e que calam.

Afasto-me dos que fogem
E fujo dos que se sentam.
Falo para os que sentem
O calor de quando lutam.

Canto a cor e o calor
De quem trabalha o dia.
Canto o cheiro e o suor
De quem constrói alegria.

segunda-feira, setembro 12, 2005

Sondagens

Estou na mesma situação que Cavaco
Não sei por que é que me tiraram das sondagens. Estou na mesma situação que Cavaco Silva”, afirmou ontem ao CM Manuel Alegre, numa alusão ao facto de o ex-primeiro-ministro ainda não ter dito que concorre a Belém.
O desabafo do deputado e poeta é claro: Manuel Alegre mantém em aberto o seu futuro político, depois de conhecidos os primeiros estudos de opinião sobre as presidenciais que dão a vitória a Cavaco.”
Correio da Manhã, 12 de Setembro de 2005


Parece que tem, mas não tem razão Manuel Alegre. De facto, Cavaco Silva não está na mesma situação que ele.

Manuel Alegre disponibilizou-se para o combate das presidenciais e, não obtendo os apoios esperados (e aqui a responsabilidade não é apenas do Partido Socialista, mas também, quer queiram ou não, do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda), tirou as devidas ilações. Por mim, não concordo nada com algumas análises, sobretudo surgidas nos media. Cá para mim, o Poeta vai ficar-se, para já, na sua arte, na sua vida de palavras soltas, libertas e certeiras. E vai ficar à espera, atento. E actuante, porque Manuel Alegre é um homem de combate. Que não vira a cara ao infortúnio. Porque Homem, livre e corajoso.

Já Cavaco, parece-me mais como o puto, dono da bola, que espera altivo e matreiro, que os outros putos o convidem para o jogo. E que o deixem jogar sozinho. Porque é ele o dono da bola. Porque só assim aceita jogar. Aliás, sempre foi assim.

Cá para mim, como afirma o meu amigo J.A., se calhar, é Manuel Alegre que, apesar disto tudo, vai ficar na História da Humanidade. Os outros, bem, dos outros não rezarão outras histórias.

(E, das sondagens, e do porquê elas surgirem agora, nem vale a pena dizer nada. Ficam para quem as fez e analisou. Falaremos nisso lá mais para a frente.)

sexta-feira, setembro 09, 2005

Moralidades

Governo quer limitar ordenados dos gestores públicos. O Governo leva hoje a Conselho de Ministros uma proposta de limitação dos ordenados dos gestores públicos, com o bjectivo de tornar mais transparente o sistema de remunerações dos quadros superiores das Empresas do Estado.
De acordo com a edição de hoje do "Diário de Notícias", esta medida prevê uma redução das remunerações dos gestores de empresas, de institutos públicos ou de sociedades com capitais maioritariamente do Estado. (…)
Segundo o mesmo jornal, esta medida não tem efeitos retroactivos e não se aplica às pensões de ex-administradores da Caixa Geral de Depósitos ou do Banco de Portugal.”

Público, 08.09.2005

Governo recusa limitar vencimentos
As medidas de contenção orçamental que o Governo venha adoptar não deverão pôr em causa os salários mais altos auferidos pelos gestores do Estado. O Conselho de Ministros aprovou, ontem, um diploma que limita as regalias dos gestores públicos, mas o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, recusou a imposição de tectos salariais aos cargos de gestão de entidades estatais ou maioritariamente estatais.
A equipa as Finanças está rever o Estatuto do Gestor Público, um diploma "desactualizado", segundo o ministro, já que remonta a 1982. No entanto, Teixeira dos Santos deixou claro que será improvável definir um montante de referência para os vencimentos. Face à "carência de quadros qualificados no país", sustentou, o Estado tem de ser capaz de atrair capital humano.
Para responsável pelas Finanças, o caminho seguido é "realista", já que "os vencimentos devem ser definidos de forma casuística, consoante o sector e a capacidade do gestor". As medidas não têm carácter restritivo, mas sim de "moralização" e "transparência", visando "acabar com abusos que não fazem sentido", disse. (…)
Jornal de Notícias, 09.09.2005



Estamos de acordo. É preciso, por vários motivos, até por uma questão de ética, tomar medidas nesta matéria. Como noutras. Até porque os exemplos devem ser assumidos de cima.

Agora, e por uma questão também de ética (porque, ou há moralidade ou comem todos), mais uma vez se ficou a meio caminho. Para não dizer outra coisa (bem indecorosa, certamente).

É apenas um pormenorzito: Porque é que para alguns não há retroactividade na aplicação das medidas de contenção, e para outros se é tão taxativo na sua aplicação? Como por exemplo no meu sector, o da função pública, o sector diabólico (descobriu-se agora) da sociedade portuguesa.

Com o que se está a passar quer-me cá parecer que coragem não é o que mais existe. Ou então temos de dizer outras coisas.

Para não dizer o que para muitos parece óbvio: continua meia dúzia a decidir em causa própria, em (des)favor de milhares, de milhões mesmo. Só estes e apenas estes parecem ter cinto. Para apertar, claro.

quinta-feira, setembro 08, 2005

Escritos das férias

Polémicas da crise

Uma das grandes discussões que grassam ainda entre nós todos (para além das autárquicas e presidenciais), tem sido a questão dos investimentos estruturais do Governo, neste caso, o novo aeroporto e a linha de alta velocidade (TGV). Muito se tem dito nos últimos tempos, quer a favor, quer contra. Sobretudo (nalguns lados) contra.

É que, nos últimos tempos, alguns há que tudo têm aproveitado para contestarem e porem em causa a decisão governamental. Nos jornais, mas sobretudo na blogosfera, tem sido um corrupio no sentido de minorarem, apoucarem, menosprezarem a decisão tomada. Com grandes análises, enormes argumentos, muitas e eloquentíssimas palavras, enfim, com toda uma retórica, no mínimo surpreendente. Ou não. E com isto tudo, os epítetos que têm sido colados a José Sócrates e seus ministros têm crescido a um ritmo bem interessante.

Como se a ideia de se avançar com a construção do novo aeroporto e da construção da linha de alta velocidade (TGV) só tivesse surgido este ano. Como se isto fosse uma criação apenas e tão-somente deste Governo. Como se já não se tivesse discutido e encarado este assunto há mais tempo. Que me lembre, já oiço falar nestes temas pelo menos desde os Governos de Cavaco Silva. Bem, no caso do novo aeroporto, parece-me que há bem mais tempo. (É bom não termos memória curta.)

Por isso, quer-me cá parecer a mim, para já, que toda esta sanha que se está a verificar por parte destes iluminados do não, tem muito mais a ver com o facto de parecer ser agora uma forte possibilidade a concretização destes projectos. Enfim, meus caros, é da vida! Que outros o não tivessem querido ou podido fazer, não é culpa deste Governo. É que, afinal parece que se vai fazer qualquer coisa. Em terra de “zero fazer”, sei bem que isto é complicado. Chateia, até.

E já agora, gostaria de saber onde estavam esses iluminados noutras ocasiões. É que nunca ouvi, nem vi, como hoje, esta onda de inquietação, de indignação, de perturbação, mesmo. Onde andavam (e que resultado tiveram), portanto, esses iluminados, quando, por exemplo, se lançou e construiu o Centro Cultural de Belém? Onde estavam quando se lançou e se realizou a EXPO-98? O Euro 2004? E, se calhar, há mais. E nem me quero referir ao Alqueva (até por decoro, se me permitem), porque afinal e embora os “Velhos do Restelo”, o que se verificou foi que aí se pecou pelo tardar da sua realização. Aí, perdeu-se, no fim de contas, tempo demais. (Creio bem que a pedir grandes discussões públicas, grandes debates, inúmeros estudos, porventura referendos, eu sei lá…)

E para que conste, dizem que estes projectos vão custar a cada português qualquer coisa como, mais ou menos, 1.500,00€. (E se for, vá lá, vá lá…) Mas como se dizia há dias no Público, o que era bom questionar, afinal, era que, em 2020, quanto é que cada português gastaria (ou perderia) por não se terem realizado estes projectos.

Por mim, que não sou especialista nestas coisas, quer-me cá parecer que prefiro muito mais correr os riscos inerentes a este desenvolvimento, mesmo que em tempos de “vacas magras”, do que perder o comboio da história. É que, tempos de crise, de “vacas magras”, não podem significar imobilismo, desenvolvimento zero, medo do futuro.

É em tempo de dificuldades que se vê quem são os corajosos.

(Vila Nova de Mil Fontes, 18 de Agosto de 2005)

quarta-feira, setembro 07, 2005

Sem comentários...

"Relatório aponta o dedo à ONU

O relatório final sobre o escândalo do programa "Petróleo por Alimentos" no Iraque, que será apresentado, hoje, ao Conselho de Segurança, acusa as Nações Unidas de incompetência e de permitir a corrupção. O programa "Petróleo por Alimentos", que funcionou entre 1996 e 2003, data da entrada norte-americana no Iraque, permitiu a Bagdade vender petróleo em troca de bens humanitários, que escasseavam no país devido às sanções económicas.

Na passada semana, Kofi Annan foi pessoalmente informado das conclusões do inquérito que - de acordo com fontes da ONU - iliba o Secretário-Geral de ter usufruído pessoalmente dos negócios que mancharam o programa. As investigações começaram após a invasão norte-americana do Iraque, quando foram encontrados em Bagdade documentos que revelaram como é que o regime de Saddam Hussein manipulou o programa, fornecendo a companhias, políticos, jornalistas e outros a possibilidade de usufrur de grandes lucros em troca de pagamentos a membros do regime iraquiano."

Jornal de Notícias, 7 de Setembro de 2005

Só por curiosidade: Que companhias? Que políticos? Que jornalistas? Que outros? ...

segunda-feira, setembro 05, 2005

Do Marco para Amarante

Quando se fala em autárquicas, para além das lutas partidárias que aí estão, para além das escolhas naturais e normais sobre quem será o melhor para ocupar a cadeira de Presidente desta ou daquela Autarquia, outras realidades se têm revelado nos últimos tempos. E nem sempre pelas melhores razões, parece.

Basta olharmos para algumas áreas geográficas e para as candidaturas que aí surgiram para nos apercebermos que de normal algumas destas eleições pouco têm. Se calhar para mal de todos nós.

É o caso de Amarante, onde se candidata Avelino Ferreira Torres, acabado de chegar de Marco de Canavezes. Ferreira Torres é, na verdade, um caso especial, no especial que tem vindo a ser os últimos tempos. Basta olhar a comunicação social que temos.

Cansado de Marco de Canavezes, lançou-se agora à conquista de Amarante. Com a convicção de que a sua história em Marco de Canavezes pode vir a convencer os eleitores de Amarante. E para os que pudessem ser mais cépticos, lá se arranjaram uns helicópteros para umas viagenzitas aéreas, olhando porventura outros voos. E outras ideias surgirão se for necessário, que o homem já deu mostras de criatividade imensa. Até ao ponto de em vez de uma, ter duas candidaturas lá na terra.

Algumas reflexões, apenas, por economia minha de esforço:

  • Com o que tem surgido publicamente, por exemplo, os casos do ex-colaborador José Faria, que tentou o suicídio, os casos antigos como o do Inspector do IGAT, o que andou a fazer o Ministério Público, a P.J.? Há silêncios que custam a ouvir.
  • Porque nunca se investigou o que já alguns vinham a denunciar há tempo, como por exemplo, as denúncias do Prof. Gil?
  • Como é possível as duas candidaturas de A. Ferreira Torres em Amarante (CM e AM)? Toda a gente viu que eram uma e única candidatura. Porque é que apenas o Tribunal não viu isso?
  • E se Avelino Ferreira Torres acabar por ganhar a Câmara Municipal de Amarante? O que irão dizer algumas
    cabeças bem iluminadas da nossa terra?

Cá estaremos para ver.

sábado, setembro 03, 2005

Lá vamos. De novo.


Ai, ai, as saudades que eu já tenho. De tudo o que foram as últimas três semanas. Do ar que se respirava, dos dias calmos, da família, dos amigos, das gentes, dos locais.
Pois é, Segunda-feira, lá começam as coisas sérias (ou que me dizem e querem sérias). Lá começa a pressa diária nesta Lisboa sempre buliçosa, sempre atarefada. Mesmo que sem tarefa nenhuma. Sinal dos dias que correm.
Enfim, bebamos o cálice. O tempo é de olhar em frente. Apesar de tudo. Apesar, até, de nós próprios.

sexta-feira, setembro 02, 2005

Enfim... De volta!

Olá a todos.
Depois de três semanas de férias (onde tentei pôr alguma da leitura necessária em dia), aqui estou de volta.
Já agora (embora se calhar com algum atraso – o que de certo já me desculparam), aproveito para agradecer as mensagens, sobretudo de boas férias, que me enviaram alguns amigos aqui neste espaço. Nomeadamente, o Albergaria, O Nariz do Pinóquio, a Mónica, o Jamour e o Políticatsf.